Duras Prisões (Livro) – Resenha

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Hoje, queridas(os) amigas(os), trago até vocês uma experiência nova, pelo menos para mim. Assim como gosto de ler resenhas, sempre gostei de escrever sobre filmes, jogos, discos, livros… Mas, até então, os objetos resenhados eram de terceiros. Desta vez, ouso escrever sobre uma obra de minha autoria. Será que alguém já fez isso?

Claro que me sentirei mais confortável para escrever uma resenha predominantemente descritiva. Para ser crítica, eu teria que indicar pontos positivos e negativos em meu próprio trabalho, e isso soa um tanto estranho… Na verdade, pensando bem, eu poderia, sim, opinar sobre defeitos da obra, assim como suas qualidades, não teria problemas com isso (e talvez até aconteça), mas procurarei focar em deixar o leitor a par da trama, da construção das personagens, sem omitir muito da minha opinião sobre esse ser ou não ser um bom livro, mesmo porque isso é algo muito subjetivo, e não gostaria de interferir na opinião de um futuro leitor, mesmo que anseie ela seja favorável.

A trama de Duras Prisões gira em torno de Zacarias, o protagonista da história. Zacarias cumpre a pena por ter cometido um crime, e não é um crime qualquer, é um crime brutal, um assassinato. A partir do momento em que ele é colocado em liberdade, uma questão bastante complexa é colocada para reflexão: Zacarias pagou pelo crime, sendo assim não deve mais nada à sociedade. Mas, quando ele tenta retomar a vida, conseguir um emprego e pagar suas contas, seu passado lhe mostra que essa dívida continuará a ser cobrada.

Você, leitor, contrataria um ex-apenado para ser seu motorista? Ou jardineiro?

Se sua resposta foi um “não”, eu não irei criticá-lo, mesmo porque acho que eu assim também o faria… Tantas pessoas na fila do emprego, e eu contrataria justamente um ex-detento? por que correr esse risco?

Mas, ao mesmo tempo, podemos refletir que todo ser humano merece ter chances para se redimir, afinal, nesse caso, legalmente sua dívida está quitada… Ele não deve nada a ninguém…

Será…

Parece que estamos em um beco sem saída…

Foto antiga da favela da Maré, imagem que foi editada e tornou-se capa do Duras Prisões quando ainda era uma publicação independente

Assim segue o dia a dia de Zacarias. Tão logo tem acesso à liberdade (?), uma importante personagem surge na história: Benê. Zacarias é velho conhecido de Bené, e é esse quem organiza tudo para que ele, assim que deixe os portões da prisão para trás, tenha pelo menos um lugar para morar. Um lar. Acontece que esse lar não é “lá aquelas coisas”, e como poderia ser diferente? Benê aluga um barraco ao lado de sua casa – também barraco –  na periferia em que vive e, assim, Zacarias já tem, pelo menos, um teto, mesmo que seja impregnado de goteiras e mau cheiro.

Mesmo morando em um barraco, que tem ao lado uma vala com odor nauseante onde, frequentemente, aparecem ratos mortos (e às vezes até gente), Zacarias tenta encontrar forças para ir à luta. Tenta, em vão, conseguir um emprego, pois mesmo sendo um barraco com uma taramela na porta, é preciso pagar o aluguel, é preciso comer, é preciso seguir em frente, é preciso levantar-se.

Quanto tempo Zacarias aguentará essa dura rotina de ouvir um “não” atrás do outro? Quanto tempo ele suportará não voltar ao mundo do crime, vivendo em um ambiente no qual ele se encontra tão presente?

Dentro desse quadro desesperador, a trama não se desenvolve de forma linear, ou seja, não há uma ordem cronológica. Se, em um capítulo, temos o protagonista nos dias atuais, em outros temos flashes de quando ele estava na prisão, ou cumprindo serviço militar, ou até mesmo ainda criança. É preciso ser um leitor atento para “ligar os pontinhos” e não se perder na narrativa.

É fato que Zacarias tem problemas psicológicos, e não são poucos. Podemos começar a entender isso observando sua infância, e sua relação com o pai. O velho Tobias é um personagem bastante relevante na trama.

Falando em personagens, a história de Zacarias em busca de uma nova chance nos apresenta personagens muito interessantes e que, talvez, você mesmo tenha aí na sua rua: Dona Tereza, a fofoqueira da vizinhança; Nego Beto, o parceiro de trabalho e idas às “casas de show”… Inácio, o alcóolatra irrecuperável; Seu Ferreira, cobrando e engordando com os aluguéis dos barracos que possui; e, é claro, o já citado Bené, entre outros que, embora pareçam apenas figurantes, têm uma importância tremenda para quem não tem preguiça de refletir sobre importantes questões da vida(o velho do carrinho de picolés; Priscila; o policial da blitz; Bonitinho, o traficante…)

A linguagem do texto pode incomodar  alguns leitores menos experimentados. Já que é narrado em primeira pessoa, pelo próprio Zacarias, não espere polidez em suas palavras. Ele mesmo comenta isso quando diz “Você, leitor, deve me achar bastante grosseiro pelas palavras que uso, acertei?”. Acontece que Zacarias não tem como ser elegante, educado, em sua retórica. O que você esperaria de alguém que pouco foi à escola e passou os últimos 17 anos de vida em uma prisão no Brasil?  Sua fala é direta, por vezes agressiva e hostil, ofensiva, afinal ele tem uma tremenda bronca de tudo e de todos. Ele é preto e pobre. E fodido, como ele mesmo diria. Baixo calão é frequente em seu discurso e isso pode assustar aqueles que esperam por um herói. Zacarias não é isso.

No campo das ideias, Zacarias também pode chocar com questionamentos que faz. Ora ele pensa existir um céu e um inferno, e talvez acredite e espere por uma justiça divina que o coloque no purgatório, ora ele desacredita de tudo, e acha que nada existe além daquilo que conseguimos ver com nossos olhos. Zacarias não sabe, Zacarias desconhece a palavra, mas ele é, nesses momentos, niilista. Leitores que possuem crenças religiosas podem se sentir desconfortáveis e constrangidos com os questionamentos feitos por Zacarias. Ele ousa questionar a existência Divina. Num contraponto a essa visão, temos Benê. Conversas profundas fluem quando eles se encontram.

O leitor não deve esperar por muita ação. Poderíamos dizer que cada capítulo da obra é uma crônica, é um pedacinho do dia a dia do homem que tenta reconstruir a vida. É uma “porta fechada na cara”; uma memória da vida em caserna; uma das várias idas à zona; lembranças da infância… São pequenos acontecimentos que, como peças de um quebra-cabeças, são apresentadas para que o leitor, atento, as encaixe. Alguns capítulos, no entanto, têm alguma ação e tensão, como a briga com Bernardo, na disputa do amor de Priscila; ou a blitz na estrada; ou a rebelião na prisão ou, principalmente, o capítulo final (não darei spoilers)

A narrativa se dá, em partes, de forma surreal pois, enquanto acompanhamos Zacarias em seu mundo concreto, também pegamos carona em seus devaneios e delírios. O onírico é bastante explorado. Zacarias tem pesadelos, nos quais fantasmas de seu passado surgem e o torturam. Algumas passagens do texto são bastante psicodélicas, mesmo porque, por vezes, nosso anti-herói está sob efeito de drogas.

O livro Duras Prisões flerta com temas muito complexos de nossa sociedade: Racismo; homofobia; discriminação; abuso infantil; corrupção; ressocialização… Como é possível abordar tanta coisa em apenas 92 páginas? Eu diria que porque a obra, assim como o protagonista, apenas levanta as questões. É o leitor quem deve refletir e construir o texto que não cabe nas 92 páginas do volume. O livro, para cada leitor, terá um número x de páginas.

Zacarias despreza tudo que o rodeia: o barraco em que vive; os vizinhos; os traficantes; a polícia; os ratos; as memórias e, possivelmente, a si mesmo. Sua visão pessimista – e realista – da vida não vai agradar a muitos leitores que esperam pelo herói romântico idealizado. Zacarias não é bonzinho – embora também não seja de todo mau – e tem as mãos bastante sujas.

Para quem está habituado a termos literários, pode-se dizer que Duras Prisões, apesar de ser uma obra contemporânea, encaixa-se no Realismo, mais especificamente falando, no Naturalismo, uma vez que o determinismo pode ser observado na trama.

Texto escrito há cerca de 20 anos, porém publicado, por editora, apenas em 2021.

Professor Lisandro (Pancho) – parceiraço, sempre incentivando os projetos dos amigos, e comigo não foi diferente

Curiosidade: Antes de ser publicado pela editora Dialética, Duras Prisões foi uma produção independente, ou seja, não possuía registro ISBN nem ficha catalográfica. As impressões eram feitas no velho “do it yourself”, em casa, em impressora comum, capa, colagem, e distribuição feita apenas entre amigos.

Entre os leitores mais célebres da obra, destaco os professores  e linguistas Wanderley Giraldi (Universidade Estadual de Campinas)   e Caio Ricardo Bona Moreira (Unespar – União da Vitória), que conheceram o texto ainda em esboço e emitiram opiniões muito favoráveis sobre o mesmo. Há uma resenha, escrita pelo professor Caio, publicada no Rock’n’Zine 09 (Dezembro /2018).

Também é possível conferir uma resenha do Marcos Antônio Terras em seu canal no Youtube.

O livro está á venda no site de editora Dialética e em muitos outros sites parceiros, nas versões física e e-book.

 

Uma história que não passará em sua Sessão da Tarde…

 

Sérgio Kuns

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